A doença celíaca (DC) trata-se cumprindo uma dieta totalmente isenta de glúten. No entanto, existem algumas linhas de investigação envolvendo terapêuticas variadas, nomeadamente uma vacina. Note-se que, em rigor, o termo «vacina» deve apenas ser aplicado aos tratamentos preventivos de doenças infecciosas, mas a sua utilização tem sido vulgarizada quando se discute a DC.

Quando um celíaco ingere glúten (o agente agressor), os seus linfócitos (células imunitárias) reagem de forma determinada, tendo em vista a sua neutralização. A resposta imunitária e de defesa contra o glúten torna-se desregulada e desproporcionada, com reações autoimunes conduzindo à progressiva destruição das células do intestino delgado e de outros órgãos também envolvidos na DC. Com a persistência do consumo de glúten, mantém-se o ciclo da inflamação e observa-se o desaparecimento gradual das vilosidades, má absorção dos alimentos ingeridos e, ao mesmo tempo, aparecimento dos sinais e sintomas conhecidos da doença.

A vacina, tal como está em desenvolvimento, pretende ensinar ao sistema imunitário uma forma de tolerar o glúten ingerido e, assim, evitar as reações que conduzem à destruição da parede intestinal e de outros órgãos envolvidos na DC. A estratégia atualmente em desenvolvimento assemelha-se àquela utilizada nas doenças alérgicas, como nas alergias aos ácaros, aos pólenes ou aos pêlos de gato (que podem causar rinite, sinusite ou asma, por exemplo). Pretende-se «dessensibilizar» (passagem de um indivíduo sensível a determinado produto a «insensível»), estimulando progressivamente o sistema imunitário com doses crescentes desses agentes agressores. Assim, naturalmente e ao longo do tempo, o organismo aprende a suportá-los, tornando-se-lhes tolerante.

Os estudos para a vacina da DC têm sido efetuados em celíacos DQ2 positivos (o gene mais frequente). Foram injetados de forma subcutânea (debaixo da pele, como a insulina dos diabéticos) um composto de três proteínas constituintes do glúten e que se consideram ser os principais agressores e desencadeantes da resposta das células imunitárias. A investigação terminou, já este ano, a fase em que se estudaram, com administração de doses variadas, a segurança, a tolerância e o mecanismo de ação do produto. Após aplicar a injeção a um número relativamente pequeno de pessoas, colheram-se amostras de sangue e de outros fluídos para análises e estudaram-se os efeitos no organismo. Como os resultados foram animadores, a fase seguinte, programada ainda para 2017, determinará se este produto tem realmente eficácia clínica, quais os efeitos secundários e a sua atividade biológica. Este passo vai ser crucial para concluir se poderá ser mesmo útil aos celíacos.

Pensa-se que o maior interesse dessa vacina seja ajudar a recuperação dos celíacos sob dieta e, numa perspetiva mais avançada, permitir aos celíacos a opção em segurança por uma dieta com glúten. O tratamento, embora ainda não definido, terá uma primeira fase (chamada fase de indução) na qual as injeções serão mais frequentes, de doses mais pequenas e monitorizadas pelo médico. Posteriormente, na fase de manutenção, será possível utilizar doses maiores, espaçar as injeções e até permitir que seja o celíaco a fazê-las, em casa.

Sabemos que as etapas de investigação de um fármaco têm múltiplos obstáculos a ultrapassar e que apenas uma percentagem pequena dos medicamentos em estudo acaba por ser comercializada. Contudo, os desenvolvimentos científicos nos últimos tempos devem trazer ânimo e são razões válidas para manter alta a expectativa. Até lá (e nunca antes de cinco anos…), cumprir uma dieta isenta de glúten é o melhor – e único – conselho!

Dr. Paulo Oliveira Ratilal, médico gastroenterologista que exerce actividade clínica e endoscópica no Hospital Cuf Descobertas, em Lisboa.

Responsável pela rubrica Perguntas Celíacas – Respostas Sem glúten da RevistaSem Glúten – Saber. Comer. Viver. da APC.

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